Eduardo Gianetti: As três certezas e incertezas do mundo pós-pandemia

O economista Eduardo Gianetti fez uma análise das perspectivas para o Brasil e para o mundo durante o 12º Meeting de Líderes Industriais 

 

Empresários e lideranças capixabas se reuniram entre os dias 26 e 28 de novembro, em Pedra Azul, durante a 12ª edição do Meeting de Líderes Industriais da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes). Na ocasião, também aconteceu o tradicional Encontro da Indústria, momento para reconhecer quem tanto contribui para o desenvolvimento do setor e do Estado. 

O evento debateu o cenário político-econômico e o futuro do Espírito Santo, do país e do mundo e foi uma excelente oportunidade de conexão entre os presentes. Um dos destaques foi a palestra do economista Eduardo Gianetti, que apresentou à plateia as três certezas e as três incertezas que teremos pela frente diante dos impactos da pandemia.

Em 2020, em virtude da pandemia da Covid-19, o Meeting não foi realizado. Então, neste ano, os convidados celebraram o reencontro e dividiram suas experiências após tantos desafios enfrentados nos últimos 20 meses.

A presidente da Findes, Cris Samorini, agradeceu a presença dos convidados e de todos que tornaram o evento um sucesso e falou sobre as perspectivas para 2022. Em sua visão, o próximo ano será ainda mais desafiador e, por isso, considera ser fundamental a união de esforços.

“A Federação enxerga que o crescimento do Brasil se dá com duas frentes de trabalho. Uma delas é por meio do desenvolvimento industrial, que é capaz de irradiar oportunidades, criar empregos, gerar receitas, promover a inovação. O outro braço é o do poder público. Um poder público que entenda a importância de melhorar o ambiente de negócios e que esteja conectado com a agenda de reformas. O que propusemos no Meeting foi justamente estabelecer essa união de forças e debater as soluções que podem ser construídas pelas iniciativas privada e pública”, Cris Samorini.

Ao longo da programação aconteceram dois painéis. Um com o economista e escritor Eduardo Gianetti, que traçou um panorama sobre o cenário econômico pós-pandemia, e outro sobre o Fundo Soberano, com o presidente do Bandes, Munir Abud, e o responsável da empresa TM3 Capital, gestora do FIP Funses, Marcel Martins Malczewski.

Também enriqueceram o encontro nomes como o do governador do Estado, Renato Casagrande, da senadora Rose de Freitas, dos deputados federais Da Vitória, Evair de Melo e Felipe Rigoni, da procuradora-geral de Justiça do MPES, Luciana Andrade, do vice-presidente da CNI Léo de Castro, além de outras lideranças.

Vale lembrar que no primeiro dia do Meeting aconteceu a apresentação da Camerata Sesi. O maestro Dennys Serafim e os músicos receberam homenagens pelo belo trabalho que realizam à frente da orquestra.

Já no segundo dia, a palestra de Gianetti, seguida por um debate com a plateia, foi muito relevante e trouxe reflexões importantes para o que está por vir na economia pós-Covid-19.

O economista destacou três grandes certezas e três incertezas que vamos ter pela frente. As certezas, segundo ele, passam pelo maior endividamento, pela menor globalização e por um mundo mais digitalizado. Já entre as convicções estão:  Covid-19 e suas variantes, a reação das economias mundiais a partir do momento que os estímulos monetários fiscais forem atenuados e/ou suspensos (Juros/Inflação) e o comportamento humano.

Abaixo você confere alguns dos destaques da palestra de Eduardo Gianetti, no 12º Meeting de Líderes Industriais, que contou com o patrocínio das empresas: Bandes, Sicoob, Suzano, Vale, ArcelorMittal, EDP, Imetame, VLI (controladora da Ferrovia Centro-Atlântica), Abreu Judice Advogados, Damare, Garoto e V1.

 

Confira alguns pontos da palestra do economista 

Eduardo Gianetti 

Prof. Eduardo Gianetti | Foto: Thiago Guimarães

Três certezas no mundo pós-pandemia 

O escritor americano Mark Twain fala de duas grandes certezas na vida: a morte e os impostos. Eu aqui no Meeting vou compartilhar com vocês três certezas que tenho do pós-pandemia: O mundo vai estar mais endividado, menos globalizado e mais digitalizado.

Mais endividamento 

O endividamento das empresas, das famílias e do mundo cresceu muito nos últimos anos, principalmente com a pandemia. O mundo vive uma financeirização da economia: ações, dívidas, mercados derivativos e criptomoedas avançaram mais que a riqueza real. Houve um descolamento da riqueza real. Na pandemia, os governos precisaram criar dinheiro “do nada” para pagar auxílios e sustentar a economia. O mundo ficou muito mais endividado. Isso é território perigoso. Não é a beira do precipício, não é o fim do mundo, mas vai requerer muito cuidado, muita atenção.

Risco de bolha financeira 

É tanta riqueza financeira no mundo, buscando aplicações rentáveis… O preço dos ativos no mundo inteiro está muito apreciado, está muito alto. As ações nos EUA e em outros países, o valor dos imóveis, criptomoedas, instrumentos malucos de especulação, todos esses ativos estão com preços muito altos e provavelmente insustentáveis. No momento que aumentar os juros, há um risco enorme de o preço desses ativos todos despencar. Nós podemos estar diante sim de uma bolha financeira. Nós vivemos um trauma de uma bolha financeira em 2008 e 2009. E podemos estar de novo muito perto de uma bolha desse tipo, só que com um problema ainda maior. Porque o que foi feito durante a pandemia tornou o que foi feito depois da crise financeira para salvar o sistema financeiro brincadeira de criança em termos de tamanho. Foi muito mais agressiva agora.   

Juros 

O problema do Brasil é juros. E como a inflação já está enviesada, o aumento dos juros torna essa dinâmica da dívida pública brasileira realmente preocupante também. Só para ter uma ideia da ordem de magnitude que estamos falando. Um aumento de 1% da Selic custa em juros para o estado brasileiro R$ 34 bilhões. É um Bolsa Família. Não é pouca coisa, gente. É muito caro. 

Realidade se impõe 

O mundo financeiro não pode viver totalmente desconectado da realidade. Porque uma hora a realidade se impõe. A economia tem uma coisa parecida com a saúde, uma hora a realidade se impõe. Você pode tentar enganar, tentar usar analgésico, tratar os sintomas, mas há um limite de tolerância e a realidade acaba se impondo de alguma maneira. É como a ecologia também. Há muita tolerância e desaforo, mas uma hora a realidade se impõe.  

Menos globalização 

Nós vamos para um mundo menos globalizado. A pandemia revelou uma vulnerabilidade do processo de globalização. Eventos que, no passado, eram locais e afetavam no máximo uma região, hoje se tornam quase que instantaneamente planetários. E mais: a interdependência que traz vantagens incríveis do ponto de vista de eficiência, você segmentar as cadeias produtivas e vocalizá-las para ter mais eficiência e tornar aqueles locais fornecedores em escala global, isso tem ganhos extraordinários de escala, de eficiência e tudo mais. Por outro lado, torna o mundo inteiro mais frágil, mais vulnerável.  

Dependência de insumos 

Um problema localizado em um ponto imediatamente se traduz em uma paralisia geral. Uma grande consultoria fez um estudo recente mostrando que para 180 produtos muito cruciais nas cadeias produtivas do mundo, existem apenas um ou dois fornecedores globais nas cadeias de suprimentos. Nós estamos falando de coisas como cobalto, microprocessadores, como chips, estamos falando de produtos médicos. 80% dos insumos farmacêuticos ativos são fornecidos para o mundo por dois países, a China e a Índia. Isso deixa o mundo muito frágil e vulnerável. Porque se dá um problema em um ponto, aquilo se espalha e contamina todo o processo.

Desaceleração 

Desde a crise de 2008 e 2009, a hiper globalização começou a arrefecer. A partir da crise financeira, todos os indicadores de hiper dependência e intercomunicação e internacionalização começaram a desacelerar. O que estou argumentando é que vamos ver o recrudescimento dessa desaceleração e já estamos vendo isso agora. Além da vulnerabilidade da interdependência, há um outro fator que não pode deixar de ser lembrado, nós estamos numa situação de tensão geopolítica entre um poder incumbente, que é os EUA, e um poder emergente que é a China. Nós vamos para um mundo menos globalizado. Não quer dizer que vai voltar, que vai ser um enorme retrocesso, que vamos para economias autárquicas como foram nas décadas de 50 e 60, mas quer dizer que a hiper globalização, que já vinha desacelerando de 2008 para 2009, deve desacelerar ainda mais. É esse o movimento. 

Mais digitalização 

A terceira certeza do mundo pós-pandemia é a digitalização da atividade econômica. É obvio que isso aconteceu, de que isso veio em grande medida para ficar, mas as ramificações e as consequências dessa realidade ainda não são simples de serem entendidas na sua plena dimensão.  

Prof. Eduardo Gianetti | Foto: Thiago Guimarães

Trabalho 

O mundo do trabalho mudou. Já está havendo uma renegociação das condições de trabalho. Muita gente se acostumou a trabalhar remotamente e descobriu os prazeres dessa liberdade, dessa condição de não ter que se deslocar todo dia para o seu local de trabalho, e não vai querer voltar ou vai aceitar voltar no máximo dois a três dias.

Agora, por outro lado, ainda no quesito trabalho remoto, há uma tendência muito preocupante: acabou a divisão entre hora de trabalho e hora de não-trabalho. As pessoas estão disponíveis permanentemente para responder demandas, às vezes de madrugada, o que não é bom. Vamos ter que repensar essa questão.  

Vendas 

Setor de varejo também se transformou com a digitalização. As pessoas aprenderam a comprar pelos meios digitais. O que demandaria duas décadas para acontecer, a pandemia fez acontecer em 2 anos.

As 3 incertezas 

Se de um lado temos três certezas, também existem três incertezas muito claras: a primeira é a Covid-19 e suas variantes, a outra é a reação das economias mundiais a partir do momento que os estímulos monetários fiscais forem atenuados e/ou suspensos (Juros/Inflação) e a terceira é o comportamento humano.  

Vírus 

O mundo conseguiu uma vitória extraordinária produzindo vacinas, que reduziram drasticamente o número de casos de internação e de casos de letalidade, mas essa história não acabou. É cedo demais para cantar vitória e dizer que a página foi superada. Acabou de surgir e foi detectada uma nova variante, a Ômicron.. 

Fenômeno global, estratégia global  

O que nós aprendemos com esse último episódio do vírus originário na África? Que a pandemia é um fenômeno global. Não adianta alguns países estarem protegidos… Se nós não vacinarmos a população em escala planetária, as populações onde o vírus continua muito ativo e disseminado vão ser laboratórios onde o vírus vai testando novas variantes e de repente emplaca. Uma pandemia global como essa exige estratégia global. Temos que vacinar a população inteira, ou quase toda, para impedir que o vírus disponha de espaços aonde ele possa continuar o seu processo evolutivo por meio de mutação e seleção natural.

Reação das economias 

A segunda incerteza: como reagirão a economias mundiais a partir do momento que os estímulos monetários fiscais forem sendo atenuados e eventualmente suspensos? É território novo, é território muito escorregadio, e não é à toa que os bancos centrais do mundo inteiro estão sendo extremamente cautelosos para fazer movimentos.

Inflação 

Outro risco é retardar demais essa normalização e permitir que outros desequilíbrios venham a se acumular, por exemplo a inflação. O grande debate hoje entre os economistas do mundo é o seguinte: essa inflação americana principalmente é passageira, ligada a gargalos e a desequilíbrios momentâneos, ou é uma coisa mais permanente que vai exigir do banco central um aumento de juros em algum momento. Os mais otimistas acham que dá para jogar o aumento dos juros para 2023, os mais cautelosos e preocupados acham que não, que esse negócio de inflação é muito perigoso se enraizar e ter raízes mais profundas.

Comportamento humano   

Prof. Eduardo Gianetti | Foto: Thiago Guimarães

Terceira incerteza: comportamento humano. Eu queria colocar pra vocês o que está colocado em termos de impacto da pandemia na psicologia humana. Uma grande adversidade provoca dois tipos de reação no ser humano. Primeira: prudência. Depois do caos, das incertezas, de me sentir tão inseguro em relação ao futuro, eu quero ficar muito cuidadoso, prudente, não correr risco. Preciso estar preparado para ninguém me pegar de surpresa em uma outra ocorrência. De um lado o vetor comportamental é no sentido da aversão ao risco, da prudência máxima, no consumo, nos investimentos, na vida. Do outro lado, depois de um período de trauma, de tolhimento de frustação, quando termina eu quero extravasar, eu quero sair, eu quero celebrar, eu quero correr riscos, o mundo vai ficar bom de novo. Tudo aquilo que eu não pude fazer, eu vou fazer quando o carnaval chegar.

Brasil  

Tem duas coisas que chamam atenção na economia brasileira. Primeiro: uma combinação rara de baixo crescimento com alta inflação. Os economistas criaram essa palavra horrorosa, mas eu vou ter que usar: Estagflação. Não são coisas passageiras, a inflação brasileira está enraizada ao contrário do cenário do mundo em que ainda há dúvida. A inflação brasileira já passou de dois dígitos no acumulando dos 12 meses e ela contaminou as expectativas.  

Baixo crescimento 

Nós estamos tendo uma recuperação neste ano que recompõe a perda de PIB do período pandêmico, mas daqui para frente, olhando para 2022, a expectativa de crescimento e a realidade de um possível crescimento brasileiro é extremamente baixa, é algo de cerca de 1,5%. É uma combinação pouco comum. Inflação tão alta com crescimento tão baixo.

Commodities e câmbio   

Outra dupla que não costuma andar junto, mas está acontecendo no Brasil. O preço das commodities no mundo se valorizou bastante nos últimos meses, e o Brasil de beneficia disso nas compras externas. Ainda bem. Pois bem, valorizou o preço das commodities no mundo inteiro. Quando valoriza os preços das commodities, o que acontece com a taxa de câmbio de um país que é grande exportador de commodity? O real valoriza e aí vem uma surpresa, ao mesmo tempo que houve uma fortíssima valorização das commodities, o real se desvalorizou, como poucas moedas, em relação ao dólar. A desvalorização acumulada do real em relação ao dólar é de 30% desde o início da pandemia, ou seja, nós empobrecemos 30% em dólar.  

Quadro fiscal   

Temos um quadro fiscal muito preocupante, piorou bastante com a gambiarra em relação ao teto de gastos, que era uma última instituição de controle das contas públicas que foi desmantelada e com a gambiarra dos precatórios. As nossas instituições fiscais estão muito desmanteladas. Não há mais nenhuma garantia de que o Brasil tem controle do gasto público, aliás num ano eleitoral, um governo que já fez uma guinada populista fiscal é muito provável que vá ainda mais longe em 2023. É uma situação preocupante. Se nós não tivermos ancora fiscal, dificilmente o real vai voltar ao patamar mais equilibrado. Ele está muito desvalorizado. Eu sei que é bom para indústria, mas também não se acostumem com isso, porque é temporário.

Novo presidente 

A hora que for eleito o novo presidente, se ele tiver credibilidade e mostrar que volta a ter uma âncora fiscal, vai apreciar o real fortemente. E quem ficou acostumado com real desvalorizado, vai sentir o tranco como já sentiu outras vezes. Nós vimos esse filme antes, quando teve a eleição do Lula, no primeiro mandato. Ele pegou inflação alta, juros altos, com real extremamente desvalorizado. Chegou a R$ 4 naquela época, o equivalente hoje a R$ 7 o dólar. O que aconteceu quando o mundo percebeu que o Lula não ia ser o Lula do PT, mas o Lula do tripé econômico, do superávit primário e tudo mais. O real se apreciou rapidamente. Os ativos brasileiros se apreciaram e o Brasil voltou a ter confiabilidade. Porque um presidente que ameaçava ser um grande populista mostrou, na prática, com números, com seriedade, pelo menos no início do primeiro mandato, que não foi.

Política  

Vou encerrar com três certezas de curto prazo olhando para a política.

Primeira: vai ser um ano de muita volatilidade, ninguém vai morrer de tédio no Brasil.

Segunda: o legado do próximo governo, seja qual for, vai ser complicado. Juros alto, inflação alta, crescimento baixo, dívida pública elevada. Para restabelecer credibilidade vai ter que ter muita seriedade e muito compromisso prático.

Terceira: se não usar muito bem o primeiro ano do mandato para fazer reformas que o Brasil há tanto tempo ameaça e nunca faz, tributária, administrativa, etc, não vai mais fazer.

Porque a dinâmica do mandato no Brasil é a seguinte: no primeiro ano, os primeiros seis meses do ano é a lua de mel, o Executivo tem capital político que lhe permite avançar e comprar algumas brigas, com o status quo das corporações e grupos inseridos no Congresso e outras instâncias. Se ele não usar capital político e deixar passar esse período, ao final desse primeiro ano a relação de forças já mudou, a fisiologia do Congresso já está muito mais atuante e capaz de dar as cartas e termina o mandato de joelhos pedindo por favor para terminar. Porque esse é o filme que nós vimos no Brasil quase sempre em todos os mandatos da redemocratização dada a estrutura partidária.

Objetivos claros 

A mensagem: um novo governo tem que saber muito bem o que quer fazer logo ao entrar no início do mandato, porque se deixar passar esse momento não vai mais fazer nada.

 

Por Beatriz Seixas

 

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